6.9.17

RELEITURA DO EU

É preciso termos consciência da nossa humanidade. Aceitar que somos vulneráveis, e que carregamos afectos contidos. A entronização do poder pessoal e da sua invencibilidade, conduz-nos à arrogância de tudo podermos, o que, não sendo verdade, gera revolta e frustração. 

É uma negação continuada que a tecnologia, a ciência e a moda ainda mais legitimam! Gerir emoções e afectos é inteligência de vida, inteligência emocional, porque supõe a capacidade de me reconhecer falível e limitado contra todo o estereotipo e preconceito que empurram a fraqueza para as margens da vida; mas isso porque se tem como fraqueza tudo o que ultrapassa o meu poder, e não por na realidade ser algo menor. 
 
Se a minha leitura das coisas estiver errada, as minhas dioptrias humanas podem estar reduzidas, e não perceber a amplitude da realidade como ela é, e não como comparativamente a penso na valoração do mais, do melhor e do eterno.
 
Somos alma, somos pessoa, lembrança, força, rasto, criação, vida! Na realidade, não morremos: é o corpo que cessa funções. E até ao limite da nossa lucidez, gerir as ansiedades e os medos, a dor e a complexidade da vida, tem tudo a ver com esse património humano com que enriquecemos ao longo dos anos, e não com os momentos ou últimos anos que nos tiram o brilho que noutro corpo já tivemos. A mente não envelhece, e o espírito também não. Só o invólucro se deteriora. E confundimos isso com o resto, e baralhando as coisas, baralhamos tudo.
 
Incorporar o saudável riso (e só sabe rir de si quem é interiormente livre) porque fonte de higiene mental e vacina contra a depressão; ter uma dose enorme de humildade que nos retirará o pedestal real ou ficcionado em que tantas vezes nos pomos ou põem (e há tantos pedestais destes), e gerir com a compreensão da dor e dos momentos gloriosos tudo o que passar por nós, é, além de sábio e inteligente, profundamente humano...
 
Pertencemos uns aos outros e é também por isso que a liberdade individual tantas vezes chamada para arbitrar os nossos conflitos, é geralmente uma falácia do nosso suposto poder, porque só harmonizada com outros valores, tem legitimidade para representar alguém. 
 
Ser autenticamente eu, passa pelo riso solto e descontraído, pela humildade de que nada somos, pelo reconhecimento da efemeridade da vida, e pela simplicidade em relevarmos metade para vivermos outro tanto. E em cada dia, urgir a vontade de simplesmente ser...